Falando com quem nunca vi na vida: um rolê inesperado na pandemia

Mentorias e consultorias de graça para pequenos negócios

Gabriela Prilip
7 min readJan 20, 2021
Foto: Chis Montgomer — Unsplash

Era Maio de 2020 e o curso de Growth Hacking na Tera já estava no meio. Eu tinha curtido muito pensar em crescer uma ONG no meu projeto do curso, ainda que de forma fictícia e em mais uma rodada intensiva de aprendizados, só consegui pensar no tamanho do privilégio que é poder estudar (ainda mais no Brasil, onde tudo é extremamente caro) e em quanta gente pode não ter essa chance, ainda mais nesses tempos doidos e pandêmicos em que vivemos. Talvez eu devesse compartilhar um pouco do conhecimento acumulado.

A pandemia foi acontecendo, não passou até agora (mesmo esse texto tendo sido escrito em Novembro), e eu inquieta e comunicativa que sou, estava sentindo saudade de falar com gente por aí e sentia falta de fazer alguma coisa que ajudasse as pessoas já que os projetos sociais que eu participava também pararam. Dentre tantos overthinkings que eu tenho, um deles foi quando parei pra pensar no tanto de coisa que tinha aprendido no último ano — e que privilégio — e em como pequenas coisas do que eu tinha aprendido poderiam ajudar alguém.

Então fiz uma página no insta, de zuera, só pra compartilhar as coisas que tinha aprendido mesmo. Era uma forma de não ter aquilo só pra mim e jogar pro mundo. Que ilusão. Me deparei com um zilhão de contas ensinando “marketing” (de um jeito bem absurdo até) e tanta gente confiando em conteúdo sem embasamento nenhum e apostando, talvez, tudo nisso. E aí pensei: é isso mesmo, então!

A proposta era compartilhar conteúdo de qualidade e com embasamento, das coisas que aprendi entre ESPM e Tera, porque acredito demais que o conhecimento deve ser compartilhado e a educação deve ser mais democrática.

O perfil foi crescendo, conteúdo só não era o suficiente e a ideia então foi dar consultoria/ mentoria completa e de graça pra pequenos negócios nessa pandemia: uma lojinha no insta, uma ideia querendo sair do papel, alguém querendo fazer uma renda extra. Qualquer coisa mesmo. Um aprendizado pra mim e pras pessoas, já que eu nunca participei ou dei mentorias e coisas do tipo. Amei, me assustei, lutei contra a síndrome do impostor que vive em mim e aqui vou contar o que rolou e como foi uma experiência incrível e um tanto curiosa.

Hey Ho, Let’s Grow!

Logo do projeto

A gente vive na época das fórmulas prontas pra esforço nenhum. Milagres da web poderia ser um bom nome. A gente quer tudo pronto pra ontem e o tempo normal que as coisas levam, não se aplicam pro nosso modo de vida. Diz aí se quem tá atrasando 1 ou 2 minutos num call não ta sendo julgado?! 😝

Com o perfil, que tem esse nome por um trocadilho e uma banda que eu amo, queria entregar conteúdo teórico e bom pra que as pessoas não caíssem nessas armadilhas de curso por mil reais de como deixar seu feed bonito pra vender mais, sendo que a pessoa nem tinha mil reais pra passar o mês. Estamos no meio de uma pandemia, sabe?

Comecei a aplicar os conceitos do curso e a “magia” foi acontecendo. Página cresceu, o forms pra se inscrever pra consultoria tava pronto. Mas eu não abri durante dois meses porque achei que a ideia era ruim e ninguém ia se interessar.

Dois meses depois, tomei coragem e fui ver: já tinham 8 pessoas inscritas. Desenhei a jornada de como a coisa ia funcionar logo no começo, então já foi resposta por e-mail e os primeiros encontros estavam marcados e eu nunca fiz consultoria ou mentoria, então nem sabia se estava certo ou como seriam esses encontros. E nem parei pra pensar que eram pessoas totalmente estranhas com quem eu iria conversar, gente que nunca vi na vida. Mas eram pessoas. Eu gosto de pessoas.

Gente que nunca vi na vida — só pelo Hangouts

Lá estava eu esperando a primeira pessoa. Era a Thais, estudante de pedagogia prestes a se formar, entrando no mundo dos letterings e arrasando muito. Ela precisava de ajuda pra vender mais pelo instagram e com uma análise e algumas recomendações, as vendas dela subiram no final da mentoria.

Também conheci a Denise, psicóloga de cães e gatos. Isso por si só já foi muito legal, porque nem sabia que isso existia.

Conheci Henrique, Rafael, Raphaella, Nicole e tanta gente que de foto em uma rede social virou alguém real.
E doido parar pra pensar no poder das redes sociais hoje: conexão. Nunca foi tão fácil se conectar, se comunicar. E com grandes poderes, vem grandes responsabilidades.

Pessoas são sobre relacionamento

O mais legal são as pessoas, sempre. Chega o dia da mentoria, você nem sabe quem está por trás das telas e aí beleza: duas pessoas que nunca se viram antes conversam 1h sobre o tema do negócio, mas também sobre a vida.

Conheci alguns filhos de algumas pessoas, alguns quartos diferentes, sonhos e frustrações desse momento e sonhos pro futuro. O valor de investimento pra tentar sobreviver nessa pandemia, o não retorno desses investimentos também. Quem eram aquelas pessoas e o que elas queriam ali com a minha ajuda. Motivações.

Isso é pesado, no fundo e a gente tem que ter muito cuidado. Fiquei refletindo sobre a preocupação dessas pessoas em querem algum tipo de ajuda e na esperança em qualquer um que encontram pela internet. A gente sabe que o discurso bonito hoje em dia vende muito bem e que tem gente se aproveitando demais disso. Eu podia ser um perfil fake, por exemplo.

Isso me faz pensar no tamanho da responsabilidade que a gente tem na mão quando se propõe a fazer um trampo assim.

Na primeira consultoria, quando me deparei com os pedidos de ajuda pra esse momento, o perfil deixou de ser um passatempo e ficou bem sério. As pessoas precisarem contar com ajuda da internet é muito sério.

Tá, mas como funcionou a consultoria?

Não sei bem se é consultoria ou mentoria, mas eu penso numa junção dos dois, só não encontrei um nome ainda.

O processo começava com a pessoa preenchendo um formulário com umas perguntas básicas do porque quer ajuda, qual é a dificuldade do negócio e por aí vai. Basicamente um discover.

O segundo passo era uma entrevista no hangouts com câmera aberta e tudo. Elas costumavam ser bem pessoais, porque eu sou muito pessoal e não consigo ser de outra forma. A primeira pergunta era sempre: me conta quem é você e o que você faz. De resto a conversa se desenrola (mas claro que tinha algumas perguntas chave) mas o mais legal é fugir do básico do roteiro e ver o que sai na hora. Sempre tem algo a mais pra descobrir.

Depois, rolavam as análises do questionário, análises do negócio e preparo de um material. A ideia não era dar uma fórmula pra pessoa, mas ensinar a teoria, a base daquilo que ela precisava, pra que ela pudesse aplicar em qualquer situação que precisasse e não só naquele momento pós encontros. Usei os materiais de onde estudei como apoio e montava um documento pra que a pessoa use e consulte depois. Em alguns, fazia exercícios, alguns frameworks e vamos falando. Quase uma aula. E pra isso usei um pouco de conhecimento de andragogia da pós. Aplicar isso é bem interessante pra que a pessoa crie autonomia e compromisso com o aprendizado.

Rolava então um terceiro encontro onde, no segundo, deixava algumas “lições de casa” pra pessoa testar e nesse último encontro conversávamos sobre o que deu certo e o que não.

100% dos feedbacks foram positivos e meu NPS estava em 10! HAHAHA.

Sim, rolava até uma pesquisa de satisfação no final analisando todo o processo e colhendo feedbacks pra deixar a coisa cada vez melhor.

No fim, o projeto acabou por muitos motivos mas fiquei muito grata por tudo o que aconteceu. A troca foi muito incrível e me abriu novos horizontes pra enxergar a vida. A força de vontade das pessoas me inspirou demais e eu saí uma Gabi diferente com toda certeza.

Mas, resolvi voltar a estudar e não daria mais tempo de fazer algo de qualidade pras pessoas.

Quem sabe não volta daqui um tempo?

Como você pode amar as pessoas nesse momento?

Amor é uma ação. E foi partindo desse overthink que essa ideia surgiu também. Como eu posso ser útil e amar as pessoas com o que eu tenho hoje? O que eu sei pode ajudar alguém? Sim. E esse trabalho realmente foi um ato de amor e pro futuro, não se sabe muito bem onde vai dar ainda. Mas a certeza é que algumas pessoas precisavam de ajuda naquela hora. E essa ajuda não era vaidade. Era um jeito de amar quem eu nem conheço e ter empatia. Algo que um sábio muito antigo já deixou de lição pra gente.

E meu convite é esse: como você pode amar as pessoas hoje com o que você sabe? Com certeza o que você acha pouco, é muito e até demais pra quem não teve as mesmas oportunidades que você. Compartilhar o conhecimento adquirido é o mínimo e um passo bem pequeno pra começar a mudar grandes realidades.

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Gabriela Prilip

Estudante de Psicologia. Bacharel em Publicidade, Pós graduada em Ciências do Consumo e Neurociência. Refletindo e problematizando a jornada.