FOMO: medo de estar por fora e os impactos nas decisões

Gabriela Prilip
9 min readMar 26, 2020

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Nesse momento um pouco louco e incerto que estamos vivendo no meio de tanta informação acelerada, aproveito pra compartilhar meu artigo final da pós em Ciências do Consumo. Até porque deu bastante trabalho, então merece ser compartilhado.
Como grupo estudamos a ansiedade e os devices tecnológicos como impactantes e nesse artigo individual, abordei uma das nuances da ansiedade atualmente com um outro nome também conhecido: Fomo.
Talvez hoje eu mudaria algumas abordagens, mas vale o recorte da reflexão na época e a vitória de escrever um TCC numa linguagem menos séria. #Enjoy

Enquanto você lê esse texto, está perdendo alguma informação muito importante do mundo.

Mas calma, o objetivo não é te tirar do sério.

A ideia desse artigo é analisar como o “FOMO” — Fear of missing out (medo de estar por fora) afeta o processo de decisão e escolhas.

Será que você se identifica?

Enviar um e-mail ao mesmo tempo em que responde mensagens de duas conversas no Whatsapp, lê rápido o push do aplicativo com desconto no delivery para essa noite e dá um like no post daquele vestido que gostaria de comprar e que, misteriosamente, acabou de aparecer no feed do Instagram como mágica. Nada como uma pitada de tecnologia para otimizar o tempo!

De fato, essa tecnologia veio para que conseguíssemos fazer mais com menos e alcançar todo nosso potencial multitask ou até mesmo salvar nossas vidas, como apontado por alguns. Mas, outro ponto é que ela também mudou a nossa percepção de tempo já que a otimização de atividades e quantidade de informações são enormes. Os dias não parecem passar da mesma forma e o que os celulares e seus gadgets nos permitem viver hoje nos dão a sensação de muito mais tempo percorrido.

Tempo esse que está cada vez mais disponível para quem desejar: como apontado no trabalho em grupo[1], James Tien e James Burnes, professores de matemática aplicada do Instituto Politécnico Rensselaer nos Estados Unidos, dão até uma estimativa de quão rápido o tempo passa: de 1,08 vez, para quem tem 24 anos, a 7,69 vezes, para quem tem 62 anos. A diferença seria causada pelo período de exposição à vida em alta velocidade.

Nesse veloz caminho sem espaço para radares, imergimos em um percurso cansativo, rumo a exaustão, onde uma sociedade de produtividade mediada pela tecnologia, não pode ceder ao luxo do descanso, dúvida, contemplação ou desinformação. Estamos na época em que temos tudo na mão, inclusive o controle do nosso tempo, imagem, identidade e o que mais for possível ou desejado.

Diante de tantas possibilidades, como ter certeza que não estamos deixando escapar ou perdendo nada? Como ter tempo de fazer tudo já que nada pode faltar? E como fazer a melhor escolha diante de tantas opções? No fundo, a gente quer tudo, e tudo ao mesmo tempo.

Cada vez mais conectados…e cansados.

Como apontado por Byung-Chul Han, “o começo do século XXI não é definido como bacteriológico nem viral, mas neuronal”. (2015, p. 7)

De fato, vivemos em meio a uma sociedade cansada e que caminha próximo ao esgotamento e nada tem a ver com enfermidades bacterianas que podem ser desfeitas com alguns antibióticos como outrora.

Nunca antes dados como ansiedade, depressão ou TDAH entraram nas pautas dos jornais ou revistas e nem foram temas da saúde pública e hoje já é bem fácil saber, por exemplo, que o Brasil é considerado o país mais ansioso pela OMS[2] e que 66% dos entrevistados no Reino Unido têm medo de perder ou ficar sem celular de acordo com pesquisa do provedor de serviços SecurEnvoy[3]. E como tudo se intensifica com a tecnologia, não seria diferente nesse cenário.

Ansiedade, por exemplo, sempre existiu, é claro. Mas com os celulares, internet e redes sociais, o problema toma outras proporções e ganha novos desdobramentos, como é o caso do FOMO.

A ansiedade com cara de timeline

FOMO é a sigla para “Fear of Missing Out”, ou medo de estar perdendo algo, em português. Atualmente, já muito conhecido e ganhando ainda mais relevância em revistas e podcasts, o FOMO foi citado pela primeira vez em 2000 por Dan Herman e definido anos depois por Andrew Przybylski e Patrick McGinnis como o medo de que outras pessoas tenham boas experiências que você não tem, ou seja, medo de estar desinformado, por fora, ou deixando de saber algo importante. Esta é a suposta razão para que as pessoas fiquem cada vez mais antenadas e conectadas, com a obsessão de saber tudo que está ocorrendo, o tempo todo.

Esse medo, que é um desdobramento da ansiedade, ganha forma e vida abundante em uma sociedade de produtividade; sociedade essa que não pode descansar, desconhece a contemplação, tempos bem estabelecidos para descansos, tarefas e que precisa estar o tempo todo por dentro de todas as novidades de todas as áreas da vida. De música e entretenimento a política de um país que fica a quilômetros de distância e que nunca foi visitado, se não pelo celular ou Google Maps. Saber de tudo é uma cobrança intensa de uma sociedade medida pelo seu desempenho e entregas, onde o ser humano é o que ele faz e não simplesmente o que ele é. É até complicado entender essa segunda parte, inclusive.

A premissa é: a tecnologia veio para que o desenvolvimento e informações fossem cada vez maiores e mais fáceis, então não existe espaço para nada menos do que isso. Todo o peso está sobre o indivíduo; sucessos e fracassos e tudo depende absolutamente dele e da sua força de vontade. E num cenário como esse, o peso das escolhas se intensifica.

Escolher é difícil. Mas escolher entre milhares de opções é pior ainda.

Escolher é um processo doloroso e um processo de renúncia. Escolher apenas uma coisa, significa abrir mão de todas as outras. Escolher uma ou outra já não é tão simples as vezes, e escolher apenas uma dentre mais de milhares de outras, intensifica ainda mais esse processo.

Barry Schwartz em seu livro “The Paradox of Choice” salienta como achamos, mas não sabemos escolher e que no fundo, esse processo é muito mais complicado do que parece: “The discrepancy between logic and memory suggests that we don`t always know what we want (2004, p. 50). Até porque, como já sabemos, somos tão emocionais quanto racionais nos processos de decisão e como salienta o autor, “memórias do passado e o que esperamos do futuro guiam nossas escolhas e em um mundo de expansão, confusões e opções conflituosas podemos ver como é difícil definir e perseguir o que queremos, e como isso nos deixa desapontados com escolhas que já fizemos.” (2004, p. 51)

Antes de fazer algumas escolhas, normalmente pesquisamos em muitos sites, lemos fóruns, sites de reviews e falamos com amigos. A internet ajuda na busca de muita informação e de maneira muito rápida, mas não serve como filtro confiável. Qualquer pessoa pode escrever sobre qualquer coisa como se tivesse alguma propriedade e na verdade, ela pode nem saber exatamente sobre o que está tratando. Então a internet acaba sendo um filtro não muito bom na tomada de decisão. Com a internet, o que antes poderia ser escolher entre 200 marcas de cereal agora nos apresenta a possibilidade de escolher entre 5 mil e isso é muito mais um problema do que uma solução. A falta de filtros para a quantidade de informações na internet pode deixar as pessoas muito mais desorientadas do que guiadas. E isso não só com produtos, mas para tudo.

Um show em uma cidade pequena, hoje ganha uma transmissão ao vivo e logo está nos treding topics do Twitter sendo comentado em tempo real por quem está no show e também por quem não está. E entrando nas redes sociais, após um grande evento, é possível ter a sensação de que todas as pessoas conhecidas estavam lá, menos você e aí, aparece o FOMO. Ele também está presente nos feeds de notícia: todos felizes e realizados em suas 10 tarefas diferentes ao longo do dia e a cobrança de que você, que não está fazendo nem metade disso, deveria estar fazendo mais. Olha o FOMO aí de novo!

E em meio a tantas escolhas, a dor de escolher se intensifica afinal, tudo depende exclusivamente de você e ninguém mais.

Com isso a vida perde a possibilidade de imprevistos, falhas e inesperados e precisamos ter tudo milimetricamente calculado para que nada saia do controle e esteja perfeitamente apresentado num feed de uma vida perfeita e feliz. Aliás, controle é uma palavra bem importante por aqui já que com tecnologia, celular e alguns aplicativos dá para controlar tudo e não aceitamos nada menos que isso.

O ponto negativo é quando a indecisão paralisa a pessoa que acaba não escolhendo nada, gerando apenas frustração. E hoje se sabe que FOMO e ansiedade podem levar a severos níveis de depressão. Esses pensamentos podem se tornar até desorientados e compulsivos, sem pausa, fazendo com que a pessoa fique confusa e acelerada demais, e com isso, não descanse, sendo que o descanso é fundamental para reprogramar o cérebro para que ele funcione da melhor maneira.

Mas como lidar com tão pouco tempo e tanta informação? Afinal, a palavra de ordem é que precisamos aproveitar o máximo de tempo possível absorvendo conteúdo para não ficar por fora de nada, não é mesmo?!

A possível saída: um chamado para a volta do ser humano

Se dermos alguns passos para trás, um pouco distantes da tecnologia e percepção de falta de tempo, podemos perceber que aceitar a condição humana pode ser um bom caminho e uma saída para uma vida de mais equilíbrio.

A tecnologia, redes sociais e as muitas opções de escolha não são grandes vilãs, mas a maneira como damos significado e uso a tudo isso sim. A partir do momento em que tudo parece importante e depende exclusivamente de nós, é dolorido demais. Um fardo muito pesado para se carregar sozinho, ainda mais com as nossas limitações que são totalmente ignoradas e perdemos a essência do humano para uma posição de super heróis sem falha e até semi deuses. E não somos nada disso.

Viemos de momentos em que nos foi mostrado que podemos tudo. Podemos comprar o que quisermos e com isso demonstrar quem somos; devemos construir e reconstruir o que queremos ser o tempo todo e tudo depende apenas de nós.

A grande questão é que não fomos feitos para saber de tudo o tempo todo e nem para estar conectados o tempo todo. Desligar é preciso e a neurociência já mostrou que o ócio cerebral provocado pelo contato com ambientes naturais pode melhorar o humor e a memória, além de diminuir o estresse e as chances de desenvolver doenças como a depressão e a ansiedade.

Numa sociedade que grita desesperadamente por entregas, produções e fazer, saber que você não é o que faz e descansar é preciso. Apesar de ser considerado quase uma falha, é uma necessidade básica do ser humano que precisa disso para continuar existindo em perfeito funcionamento.

A tecnologia é uma grande aliada da nossa vida, mas se não soubermos nossos limites, estamos caminhando pra uma sociedade de esgotamento que não vê saída se não no fazer. Nesse movimento, deixamos de lado uma das maiores belezas de existir como humanos: a imperfeição, o não saber e o não ter controle. Na verdade, isso é viver. É receber, aceitar e aí sim se planejar pra entender o que fazer com aquilo que não foi planejado. A vida é feita de imprevistos e surpresas. E não tem nada de negativo nisso.

Que a gente não esteja perdendo a vida apenas pensando estar ganhando algo com essa correria cheia de medos contra o tempo. Isso é qualidade de vida mesmo? É só pra isso que existimos? Parece muito pouco; um fim muito triste e vazio pra nossa existência.

Existem muitas maneiras de se controlar todos os anseios, mas apenas um caminho que ataca a raiz de todos esses problemas e que nos tira da posição tóxica de protagonismo e exigências.

Há beleza fora do controle e numa vida com mais calma e leveza. Há beleza em se entregar para o desconhecido e desfrutar dessa dádiva de ser um humano com todas as suas perfeitas limitações. Não somos máquinas, não fomos feitos para produzir.

Referências Bibliográficas

BRASIL é o país mais ansioso do mundo, segundo a OMS. Revista Exame. Disponível em: <https://bit.ly/2PjyMVR>. Acesso em nov. 2019.

HAN, Byung-chul. Sociedade do Cansaço. São Paulo: Editora Vozes, 2015. 2ª ed.

MOREIRA, Eduardo. Dois terços da população sofre de nomofobia, o pânico de perder o celular. TechTudo. Disponível em: <https://glo.bo/2t8TeQH>. Acesso em dez. 2019.

O QUE é Fomo: Fear of missing out?. Psicanálise Clínica. Disponível em: <https://bit.ly/2LULJ6x>. Acesso em nov. 2019.

SCHWARTZ, Barry. O Paradoxo da Escolha. São Paulo: A Girafa, 2004.

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Gabriela Prilip

Estudante de Psicologia. Bacharel em Publicidade, Pós graduada em Ciências do Consumo e Neurociência. Refletindo e problematizando a jornada.